Sem mas.

Sem mas.

17 de dezembro de 2013

Prioridades

                Se você quer seguir com isso, de ganhar prêmios, vá em frente. Sério. Mas a noite, quando deitar em sua cama, ao lado da sua esposa troféu, encarando seus certificados e medalhas, tenta usá-los pra preencher seu vazio.
                Parece fácil fazer o certo por linhas tortas. Brincar de Deus, até ser tratado como tal. Cure o câncer para satisfazer seu próprio ego. Seja amado pela obra, desenvolvida exclusivamente para isso. A competição é o natural de criaturas selvagens, siga em frente e boa sorte com a sua existência biológica.
                Vai!
                Tente construir pontes de papel, veja se são sólidas. Eu tenho uma facilidade imensa em aumentar abismos. Num piscar de olhos, precipícios enormes se formam ao meu redor. Basta observar a extensa lista de velhos desconhecidos, ela abrange parentes de primeiro grau até amigos de infância, nem professores são perdoados.
                Laços destruídos.
                Hei... Este sou eu, não é mesmo? Só mais um fracassado. Com você é diferente. O Nobel vai mudar sua vida. Você vai ser o herói. As pessoas vão te amar por isso.
                 Sabe... Isso não funcionou nem mesmo com Deus. Ah!... Mas é só Deus... Com você vai ser diferente.
                Para quê preservar laços, agir como humano, se você pode competir?
                Ninguém liga para quantos porteiros você maltratou ou quantos corações quebrou. Olha só, achou a cura para epilepsia. Um santo. Você se lembra, porém, daquela garçonete, naquela noite fria, do bar que estava fechando, e você, com seus amigos da mesma laia, chegaram bêbados, dizendo obscenidades a ponto de fazerem a garota, que só estava trabalhando, chorar? Pois então...
                Enquanto você segue competindo, eu vou por outro caminho.
                Estou aqui tentando ser humano, para variar. Essa coisas de ser uma besta, manter uma existência biológica é muito neandertal para o meu gosto.

                Mas vai lá... Se preocupe com o Nobel e seus outros prêmios, enquanto isso eu vou juntar os cacos das pessoas que eu ajudei a destruir, é que eu tenho tentado não fazer um estrago maior. 

12 de dezembro de 2013

Obrigado, mestres.

                Não sou assim tão velho. Estou no auge dos meus vinte e dois anos e por mim tudo bem. Vivi algumas coisas, na verdade eu peguei a decadência dessas coisas. Eu vivi para ver o final do Nirvana, o grunge praticamente cair no esquecimento.
                Me lembro que bandas surgiam quando pessoas tinham algo a dizer e se juntavam para falar sobre isso enquanto tocavam.
                Eu mesmo tentei fazer parte de algumas, mesmo sabendo tocar apenas dois riffs e quatro acordes. Isso nunca impediu os Ramones. Acho que posso dizer que na minha época, não era necessário aprovação de alguém sentado em uma cadeira.
                Era preciso ter alma e força de vontade. Pelo menos é o que parecia. Para ser mais claro, eu falo de programas como the voice. Presenciei acensão de coisas assim. Bandas tipo Broz, Rouge, cantores de programas como Fama.
                Nunca progrediram.
                Falta algo. Alguém que se rebaixa a esse tipo de coisa, tem sérios problemas com prioridade. Me parece que querem ficar famosos, ser reconhecidos, ter estabilidade e não há ali alma, verdade. Não me admira mesmo que tenham caído no esquecimento assim, tão rápido.
                O mesmo serve para o meio acadêmico.
                Lembro de conviver com a minha mãe, recém entrada na universidade, e seus amigos. A empolgação em produzir conhecimento, como os professores pesquisavam e buscavam fazer e progredir suas pesquisas. A paixão para além da aula. O amor a algo que não fosse o contracheque no fim do mês e a segurança de um cargo público.
                Caminhamos em passos largos rumo a mediocridade.
                Vejo a minha geração e alguns, um pouco, mais velhos que eu procurando essa estabilidade a todo custo. Mesmo que isso afunde o único lugar que deveria incentivar o crescimento intelectual. Pessoas que querem regurgitar teorias criadas por mortos.
                Claro que devemos respeitar o que já foi feito.
                Porém, enfrentar e refutar é mais do que nossa obrigação. Que tipo de pessoas são essas que buscam títulos ao invés de um crescimento? Reforçar o que alguém já fez e receber um papel que te faça pensar ser um mestre. Besteira. Eu cresci vendo mestres, eles eram pessoas que faziam, buscavam o desenvolvimento, erravam, recomeçavam, saíam a todo o tempo da zona de conforto, exploravam, conquistavam o título de mestre. Não eram um qualquer que busca, com isso, acarinhar e alimentar o ego.
                Ser mestre hoje é tão banal que não sou capaz de respeitar, nem, os meus professores.
                Inclusive, gostaria de agradecê-los por me ensinarem o verdadeiro significado das palavras autodidata e autonomia.
                Vejo seus discípulos e sinto pena das gerações que estão prestes a entrar neste meio. O problema de estar sempre em um pequeno nicho, é que nos alienamos, esquecemos de olhar o mundo. Quando volto a vida real, percebo que ele caminha em pé de igualdade com tudo que acabei de dizer a respeito da faculdade.

                Infelizmente, hoje, somos uma sociedade de bundas moles e há cada vez menos pessoas em quem se inspirar.  

9 de dezembro de 2013

Noites vermelhas

                Eu era o garoto novo na cidade quando a conheci, queria poder dizer que tinha olhos de águia, ou um olhar de peixe morto, mas eu era o cara dos olhos de ressaca. Não do tipo romântico, capituzado, mais para: Tenho bebido tudo por três noites seguidas.
                Ela se mantinha distante.
                Cabelos negros, olhar blasé. Nos encontrávamos algumas vezes durante os anos, notávamos nossas respectivas mudanças e não nos aproximávamos. Não era hora. As coisas precisam de hora e lugar. Não se pode forçar. Meu avô, quando ainda era saudável, vivia me dizendo: Olha, moleque, tem poucas regras que acredito e sigo na vida, uma delas é: Se não encaixa, não força.
                Não nos encaixávamos.
                Ainda não estava na hora. É preciso mudar, crescer, entender toda nossa mediocridade ou potencial e lidar com isso. Ambos lidamos. E num dia desses, em um encontro casual, não foi preciso dar uma explicação. Simplesmente nos entendemos.
                Meu olhar não é mais de ressaca, o dela diz mais do que as palavras, que as vezes, saem da boca.
                Não gosto de aglomerados de gente no meu apartamento. Me sinto invadido, desrespeitado. Não dou festas e sempre evito trazer mais do que duas pessoas. Sempre foi assim, mesmo em períodos mais sombrios.
                Porém, naquela noite em questão, por aquele pedido feito pelos olhos, abri mais do que uma exceção. Foi um apelo tão discreto, tão simples e desesperador. Os olhos diziam: “Me salva?” a boca dizia: “Vamos para onde?”
                Quebrei todas as minhas regras por ela. Por aqueles olhos e os cabelos, que agora se avermelhavam, como as nuvens.
                Não sei do futuro. Não sei do nosso futuro, talvez continuemos a nos encontrar e nos aproximemos mais. Pode ser que ela suma novamente e a gente mude tanto que não seja mais possível nos encaixar. Por enquanto a cabeça dela cabe exatamente no meu ombro e os olhos conversam entre si.

                 

8 de dezembro de 2013

Sem pressa

                Dessa vez eu participei do amigo oculto. É estranho porque sempre disse que não gosto disso, ano passado, inclusive, eu não entrei na brincadeira. Não sou um tipo de pessoa que se sente bem presenteando qualquer um, até porque escolher o presente de alguém desconhecido nunca vai fazer sentido na minha cabeça.
                Eu gosto de fazer meus próprios presentes.
                Me faltam habilidades motoras, talvez se eu tivesse engatinhado mais, levado o malabares mais a sério, hoje eu seria um bom artista plástico e os presentes sairiam aceitáveis. Apesar disso, de vez em quando saem bons, aí eu os entrego.
                Teve uma época que resolvi aceitar a sinergia cármica. Para quem não sabe, “sinergia” é definido como  efeito ativo e retroativo do trabalho ou esforço coordenado de vários subsistemas na realização de uma tarefa. Já o “carma” tem vários significados, mas para o que preciso vamos colocar como uma força que rege o universo. Então a sinergia cármica seria o mesmo que deixar o universo reger. As coisas se ajeitam.
                Se você não concorda, tem todo o direito do mundo.
                A questão é que quando parei de tentar moldar situações, estive em harmonia. Vivia realmente bem. Porém, de uns tempos para cá, quanto mais tentava manipular o mundo para a minha vontade, menos ela acontecia, quanto mais eu tentava ter a razão, menos eu conseguia e quanto mais eu tentava me aproximar, mais eu me afastava.
                Não é fácil aceitar a sinergia cármica, de início não é prazeroso, ou talvez até seja para você. Há coisas que simplesmente não entendo.
                O amigo oculto aconteceu, acabei saindo com alguém que considero muito. Não foi tão difícil comprar seu presente. As pessoas ficaram surpresas em me ver participando da confraternização. As mais próximas arriscaram piadinhas a respeito. Quando me indagavam porque realmente não participei das festas ano passado, onde estava e o quê fazia, eu só consegui responder:
                “Pois é... Não deu. Eu tava me apaixonando pela minha ex no dia.”


                Achei mais seguro estar presente nestes eventos, esse ano. 

1 de dezembro de 2013

Fica um pouco mais

        Tem chovido por dias, não é constante. As vezes para, tem hora que sobra um chuvisqueiro fino, uma garoa leve nos lembrando que não há sol. O sol não surge há um tempo.
                Numa tarde dessas de chuva eu saí de casa, havia combinado de encontrar alguém para fazer algo, essa informação, por algum motivo, está um pouco vaga agora. Sei que cheguei mais cedo, como sempre, sentei no banco daquela avenida bem arborizada. Eu gosto desses raros momentos de chuvisqueiro, momentos só.
                Um senhor sentou ao meu lado.
                Carregava uma espécie de estandarte de artesanato nos ombros caídos. Mesmo com todos os bancos, de toda a avenida, vazios ele escolheu o único que tinha alguém. Conversou algumas coisas, confesso que não dei atenção de imediato, não era ele quem eu esperava. Falava incessante sobre suas viagens, seu leite sem lactose, sua comida microbiótica. Minha cabeça ia longe, meus olhos meio cegos fixados no nada, a perna trepidava.
                Contou histórias sobre o Czar e dizia coisas que, para mim, pareciam sem sentido.
“Você parece inquieto...”
                Juro que sorri, sem mostrar os dentes, e não respondi.
“Parece aflito”
                Que tipo de pessoa usa a palavra aflito? Eu não estava aflito. Parei de sorrir.
“O primeiro passo para se ganhar qualquer coisa na vida é pedir. A gente ganha até o perdão assim. Acho que daqui a pouco o sol sai.”

                Acabou de dizer isso, se fechou em um sorriso sereno. Disse até mais, se levantou reclamando das pernas e as dores que não passavam, seguiu seu caminho. O chuvisqueiro já não caía e eu acho que pela primeira vez entendi o significado metafórico de “Here comes the sun”.