Sem mas.

Sem mas.

5 de fevereiro de 2014

Talvez

                Chego em casa, abro a porta, jogo as chaves na penteadeira do quarto, passam raspando pela porta, fazem tabela nos livros amontoados e caem na cestinha. Ouço barulho do metal batendo nas lentes dos óculos escuros. Tudo bem, é falsificado. Coço a barba, olho a geladeira. Percebo a pilha de vasilhas na pia, não vão se limpar sozinhas. Sinto o calor entrando pela janela.
                Ainda na cozinha, tiro os sapatos, fecho a porta, coço a cabeça. Uísque ou água? Beijo a boca da moringa inox, era presente de casamento dos meus pais. Perco o folego, um pouco escapa pelos cantos da boca, frio, combina com a brisa que foge da geladeira. Uma mancha ao lado das gotas. Tenho que lavar roupa.
                Viro as costas, entro no quarto, ainda não tive coragem de arrumar a cama. Abro a porta da varanda, tiro as calças, jogo a camisa em cima do sofá. Vejo o controle da Tv. E agora faço o quê?
                No banheiro, lavo o rosto, me encaro no espelho, molho a nuca.
                Volto até a varanda, deito na rede.
                Céu azul.
                Cochilo.
                Sinto cheiro.
                Sinto cheiro dela.
                Acordo, céu vermelho, as luzes da rua começam acender.
                Escurece, levanto, faço um café, me apoio na pia, bebo meia caneca. Penso nela, saudade aperta.
                Volto pro buteco.


1 de fevereiro de 2014

Paraibuna

            
                É um bocado claro que somos reflexo de nossas criações. Minha mãe sempre me diz: “Não se esqueça das suas raízes”. Tá certo que logo depois disso retruco falando que não sou árvore para ficar plantado, nesse instante ela segue aconselhando em um tom nervoso: “Então lembra do quintal da sua casa!”
                Sei que é uma metáfora estranha, mas mesmo que não me lembre constantemente dele, há marcas em mim, como uma impressão no meu comportamento.
                Minha família tem essa mania boba de acompanhar as visitas, filhos, primos, irmãos ou qualquer pessoa querida que precise viajar, à rodoviária e depois esperar até que o ônibus parta. Por força do hábito sempre fiz isso. É quase inconsciente.
                Acontece que quando você se importa muito com alguém e faz esse tipo de coisa, milhões de pensamentos tomam sua mente. Não é fácil, reviver dias gloriosos ao lado de uma pessoa fantástica e vê-la embarcar numa tarde quente, depois de um almoço rápido. Não é nada bacana. Sentar e esperar o ônibus sair da rodoviária me fez pensar em tudo.
                Percebi o quanto é triste a última vez que vemos alguém, quando não há previsão de reencontro. Fica uma marca, angústia, aflição. Uma vontade de invadir a área de embarque e parar o ônibus, dar um novo último abraço, outro último beijo, mas aí você percebe que não pode fazer.

                Hoje eu consigo entender o motivo de ficar ali esperando o ônibus ir. Depois de reviver tudo que passamos juntos, ainda sobra algum tempo para uma prece, sei que não é muito, só que isso é o que meus pais sempre fizeram e hoje sou eu.