Sem mas.

Sem mas.

28 de abril de 2014

De duas até sete

                Levantei, estiquei as costas. Não quis abrir a porta da varanda. Tive medo do que ia encontrar. Não estava pronto para ver um sol radiante, um céu azul, nuvens brancas. Não hoje. Não este mês.
                Cocei as costas. Passei a mão na nuca, senti meus pelos do braço arrepiar. Encaro o calendário.
                Falta muito.
                Nunca desejei tanto o fim.
                Juro que já me assustei com o fim do mês, da semana, de namoros, amizades, da vida. Assim como já tive medo do escuro e de vacas, andar a cavalo e sair à noite. Não sei se isso é crescer. Não quero pensar e pesar decisões. Não hoje.
                Hoje eu quero um café, forte, quente, sem açúcar. Puro, como um dia as coisas foram. Quero ficar na sombra, beber cervejas geladas, deitar na rede e encarar um céu cinza, opaco. Espero pelo dia que eu possa simplesmente me abster do mundo, de pessoas, sons, cheiros.
                Um tempo que ficarei completamente só.

                Mesmo que por um dia.   

20 de abril de 2014

Sexta-feira da paixão





                Diga alguma coisa, qualquer coisa. Você está me perdendo. Seu silêncio tem me matado, venho tentando preencher sua falta com trabalho e não tem dado certo. Já te mostrei do que sou capaz e repara bem, não te pedi para fazer nada.        
                É só falar.
                Não quero mais ficar só, nem me sentir menor do que já sou. Cansei de correr atrás do seu rastro, de mendigar sua atenção. Orgulho já não existe, o prazer aos poucos se acabou. Espero que nunca precise saber como é rastejar por alguém.  
                Sempre foi difícil desistir. Fiz isso poucas vezes em minha curta vida, até então estou aprendendo a desapegar, deixar ir. Mas ainda há tempo, dá para mudar. Diga alguma coisa que me faça abandonar essa idéia, algo que me faça pensar que isso não foi uma péssima escolha.
                Já engoli minha pretensão e agora eu estou desistindo de você.
                Desculpa pelo tempo que te fiz perder e por nunca ter despertado nada profundo. Espero não ter deixado cicatrizes, você nunca foi como as outras, talvez até merecesse uma ou outra, eu é que jamais conseguiria te fazer algum mal. Uma pena não ser forte o suficiente para continuar a luta. Graças ao bom Jeová que os outros da sua vida nunca precisaram desprender tanta energia quanto eu para estar presente.
                Você nunca quis fazer nada e é claro que vou sentir falta dos seus olhos, aliás, já aprendi a me controlar sempre que encontro alguém com um perfume igual ao seu. Acho que finalmente me cansei de arrastar essa falsa relação por aí.



                É só que no fundo eu queria apenas que você dissesse algo, qualquer coisa que me fizesse não dizer: “Tchau! Estou desistindo de você.”

13 de abril de 2014

Transtorno de conduta

                Não sou um grande fã de solenidades sociais. Dessas que te obrigam a usar terno, sapato e tudo mais. Vou, mas não são minhas favoritas.
                Quando criança, achava divertido usar roupa social, trajes de gala, sapato, camisas bem engomadas. Cresci.
                Juro que passei duas horas encarando o gelo que nadava no meu uísque. A primeira pedra derreteu rápido. Deixou aguado. A segunda relutava, tentava não se afogar, não desistir. Confesso que fiquei impressionado com a persistência dela no meu copo.
                A luz bateu nas minhas botas.
                Se uso terno, coloco minhas botas pretas. As engraxo no dia, para que fiquem brilhosas. Passam despercebidas, pelo menos na maioria das vezes.
                A luz refletiu nos meus olhos, acredito que acabei esquecendo meu copo.
                Eu sou o antissocial.
                Aquele que passa horas brincando com o cachorro na festa, porque não achou ninguém mais interessante. O que fica fazendo desenhos com a sombra, para não ter que conversar. Aquele que passa horas encarando o nada.
                Pensei que talvez fosse melhor desistir de insistir.
                Me senti como a pedra de gelo. Fadado a fracassar. Por qual motivo continuo frequentando esses lugares?
                Mas nessa noite em questão, levantei, virei meu copo de uísque aguado, comi um petisco, sorri para garçonete, coloquei uma mão no bolso e com a outra troquei o copo de bebida por um novo, cheio, sem gelo. Dois goles. Devolvi o copo, já seco, ao garçom e tomei o primeiro táxi para casa.


                Há meses que não sei o que é dormir acompanhado. Acho que as coisas continuarão assim por um bom tempo.                 

6 de abril de 2014

Cego pelo neon

                Ela entrou na minha noite. Apresentados ao acaso, nesses encontros casuais. Pensei que minha barba grande e o cabelo bagunçado seria o suficiente para afastá-la, achei que a camiseta velha e a calça surrada dariam o tom para que não se aproximasse.
                Ela se aproximou.
                Sorriu.
                Senti meus ossos tremerem, há um bom tempo não olhavam no fundo dos meus olhos e desprendiam sorrisos. Sorrisos como aqueles. Olhos como aqueles. A maneira como o cabelo negro contorna o rosto, cobre levemente algum detalhe para em instantes depois descobri-lo.  
                Sorri.
                Sinto minhas pupilas dilatarem, são doces as palavras que saem de sua boca carnuda. Mesmo assim não prossigo.  Como levo uma mulher dessas para minha casa? A geladeira vazia insiste em congelar a garrafa de água, essa que é a única filtrada da casa. Ultimamente preciso tirá-la meia hora antes de sentir sede, só assim o gelo derrete. Acabando aqueles dois litros voltarei feliz a água que me oferecem com fartas doses de cobre pela torneira.
                O congelador esboça, por entre o branco gelado, alguma embalagem. Provavelmente de algo há muito acabado. Os saches espreitam, solitários, na porta. É a única coisa ali.
                Provavelmente ela diria:
- Tem algo pra comer?
- Olha, mulher, costumava ter...
- Algo além de cerveja e uísque?
                E se mesmo assim nos amassemos:
- Vou usar seu banheiro.
- O chuveiro não é bom – eu diria –  queimou semana passada.
                Quem poderia julgá-la, caso ela se levantasse, recolhesse suas peças de roupa, espalhadas pelo pequeno apartamento, vestindo-se sem olhar para trás, talvez me desse um beijo pelo esforço na noite anterior, então, iria embora. Como todas foram. Por mais que seu sorriso entrasse nas minhas pupilas, mesmo que suas belas orelhas casassem com seus olhos e seu rosto não saísse da minha cabeça.
                Talvez fosse o ácido de má qualidade, a cerveja quente, o rum gelado.


                Mas se eu tive medo de deixar essa mulher entrar no meu apartamento, como a deixaria entrar na minha vida? 

2 de abril de 2014

Pote de ouro

                Não espero recompensa. Já esperei. Quando criança, era o que mais fazia. Esperava ser bem tratado por não ter dado má resposta, um elogio por não ter deixado comida no prato, um cafuné por ter limpado a merda do cachorro.
                Durante a adolescência, fui um pouco mais seletivo.
                Talvez tenha aprendido na infância. Tentei o prêmio pelo mau comportamento. Bebidas, narcóticos, brigas, roupas surradas. Claro que ganhei um pouco de atenção. Nada satisfatório.
                As perdas foram aumentando.
                Subtraí amigos e amores, na medida em que cresci. Por mais presente que a morte esteja, há sempre o baque inicial. Aquele vazio, a lágrima que começa a se formar nos olhos, mas que alguns anos de péssimas escolhas impedem que desça. Minha cabeça grita: “Por favor!...”
                Depois de alguns golpes a gente aprende a apanhar.
                Não faz sentido dificultar a vida dos outros só porque a sua não está simples. Perder pessoas queridas te faz lembrar que você é humano. Depois que se abre mão do senso de justiça, os dias ficam mais claros e as noites mais densas. Passei a valorizar meu ninho de concreto, meus banhos gelados, o ar da chuva, as conversas e o gole de uísque no fim do dia.
                Descobri que algumas pessoas precisam ser felizes para viver, eu não.

                Acho que se estou vivo até hoje é porque algo tem dado terrivelmente certo. Mesmo que em momentos de imprecisão minha cabeça continue a gritar: “Seja forte! Por favor...” Nessas horas, respiro fundo e a consolo dizendo: “Calma! Não sabe que nós ainda faremos um grande percurso juntos?”