É verdade quando dizem que nunca esqueceremos nossa primeira. Há semanas que não pensava nela. Nesse domingo, por ironia do acaso, acabei esbarrando em algumas fotos nossas. Não tínhamos muitas e que eu me lembre só existem duas.
Sabe, ela foi minha primeira mulher.
Apareceu
alguns dias antes do meu aniversário de vinte anos. Por mais que a barba por fazer e as noites mal dormidas me dessem uma aparência mais velha, eu era apenas um garoto. Um
menino que escrevia palavrões em cada conto para amenizar a raiva e acreditava
que destruir era mais importante que construir. Moleque que só pensava em foder
garotas, escrever, encher a cara e morrer cedo – live fast die young – afirmo que ninguém pode me julgar por isso.
Engraçado
que, daqueles anos, me restaram poucas lembranças. Ela ainda está latente em
minha mente. Foi uma noite estranha. Uísque vagabundo, coisas demais na cabeça,
mentiras demais na boca.
Nunca
cheguei a dizer, mas quando entrei no bar, aquela noite, percebi sua presença
quase de imediato. Claro que uma mulher desse tipo jamais passa batido. Grandes olhos bem desenhados, o rosto de uma simetria única, cabelos
escuros e a voz aveludada que com o restante do sotaque gaúcho acariciava
meus ouvidos a cada nova palavra...
Olha...
Ela é uma mulher de classe. Garanto que sempre foi. Verdadeira mademoiselle com
o sorriso capaz de fazer qualquer pessoa consciente perder o juízo. Completamente
opostos. Ela já estava com a vida pronta no alto dos seus trinta e poucos anos,
enquanto eu ainda me virava com bicos nos finais de semana e bebia vinhos de
cinco reais para burlar a cruel realidade.
Na
época, estava prestes a terminar meu primeiro livro. Acreditava que seria uma
obra prima, era uma merda. Depois dela o reescrevi sete vezes e ainda hoje continua
um belo pedaço de merda.
Por algum motivo que nunca cheguei a compreender direito, ela se interessou por mim e estava com feridas recém abertas, um desses relacionamentos intermináveis que eventualmente acabam e
deixam marcas. Não sei ao certo como funcionam. O máximo que já me mantive com
alguém foram seis meses, imagino que quanto maior o tempo pior a dor.
Ela me
olhou, puxou assunto. Me usou para afastar um desses idiotas que acreditam no
poder máximo do dinheiro, segundo ela, ele não valia tanto a pena assim. Era
bom demais para ser verdade. Isso não acontece comigo.
Disse
alguma coisa, ela respondeu, saímos e que eu me lembre, queria passar alguns
meses naquela conversa. Que gargalhada gostosa. O cheiro do cabelo era bom,
cheirava como um lar.
Nos beijamos.
Quando
uma mulher maravilhosa, como essa, é gentil o suficiente para te beijar, você
tem que beijá-la de volta. Quem sabe onde um beijo pode te levar? Aquele nos
levou a outros mais quentes, carinhos contidos, carícias explicitas.
Queria
poder pagar, de alguma forma, a meia calça que, sem querer, acabei rasgando. Naquela
noite eu mal tinha o dinheiro do taxi. Não que hoje seja diferente, eu ainda
sou apenas um rapaz latino americano, vindo do interior, sem dinheiro no banco
e sem parentes importantes.
Ela se
foi.
Como
todas as garotas que estiveram presentes em minha vida antes e depois dela. Queria
ter tido coragem de ter enviado o que escrevi, de ter pedido para ficar mais
quando finalmente voltou alguns meses depois. Até a pele dela pedia um toque
diferente, era incrível.
É só
que, vejam bem, o que uma mulher dessas faria com um escritor fadado ao
fracasso como eu? Sei que todos amam uma boa causa perdida, mas ela tem um
futuro tranquilo, quanto a mim? A única coisa calma em minha vida foi Palomita,
uma gata de estimação que morreu ao atingir os seis meses de idade.
Só
tenho a agradecer essa breve aparição, afinal, se não fosse ela, só
o bom Jeová saberia me informar quando de fato conheceria uma mulher de
verdade. Não que ache ruim as garotas com quem me envolvo. Elas são
maravilhosas, só não possuem, ainda, a personalidade marcante de uma mulher,
aquela sutileza nas pequenas imperfeições que aparecem de maneira charmosa, o
riso gostoso que te faz querer ficar na conversa por anos, o cheiro bom que vem
do cabelo, do tipo que te faz querer ter um lar.
Não que seja um problema, porém, algumas garotas, às vezes,
aparentam estar mais perdidas do que eu. Sem sombra de dúvidas ela será minha melhor lembrança daquele ano.
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