Sem mas.

Sem mas.

1 de junho de 2014

À sua memória



                É verdade quando dizem que nunca esqueceremos nossa primeira. Há semanas que não pensava nela. Nesse domingo, por ironia do acaso, acabei esbarrando em algumas fotos nossas. Não tínhamos muitas e que eu me lembre só existem duas.
                Sabe, ela foi minha primeira mulher.
                Apareceu alguns dias antes do meu aniversário de vinte anos. Por mais que a barba por fazer e as noites mal dormidas me dessem uma aparência mais velha, eu era apenas um garoto. Um menino que escrevia palavrões em cada conto para amenizar a raiva e acreditava que destruir era mais importante que construir. Moleque que só pensava em foder garotas, escrever, encher a cara e morrer cedo – live fast die young – afirmo que ninguém pode me julgar por isso.  
                Engraçado que, daqueles anos, me restaram poucas lembranças. Ela ainda está latente em minha mente. Foi uma noite estranha. Uísque vagabundo, coisas demais na cabeça, mentiras demais na boca.
                Nunca cheguei a dizer, mas quando entrei no bar, aquela noite, percebi sua presença quase de imediato. Claro que uma mulher desse tipo jamais passa batido. Grandes olhos bem desenhados, o rosto de uma simetria única, cabelos escuros e a voz aveludada que com o restante do sotaque gaúcho acariciava meus ouvidos a cada nova palavra...
                Olha... Ela é uma mulher de classe. Garanto que sempre foi. Verdadeira mademoiselle com o sorriso capaz de fazer qualquer pessoa consciente perder o juízo. Completamente opostos. Ela já estava com a vida pronta no alto dos seus trinta e poucos anos, enquanto eu ainda me virava com bicos nos finais de semana e bebia vinhos de cinco reais para burlar a cruel realidade.
                Na época, estava prestes a terminar meu primeiro livro. Acreditava que seria uma obra prima, era uma merda. Depois dela o reescrevi sete vezes e ainda hoje continua um belo pedaço de merda.
                Por algum motivo que nunca cheguei a compreender direito, ela se interessou por mim e estava com feridas recém abertas, um desses relacionamentos intermináveis que eventualmente acabam e deixam marcas. Não sei ao certo como funcionam. O máximo que já me mantive com alguém foram seis meses, imagino que quanto maior o tempo pior a dor.
                Ela me olhou, puxou assunto. Me usou para afastar um desses idiotas que acreditam no poder máximo do dinheiro, segundo ela, ele não valia tanto a pena assim. Era bom demais para ser verdade. Isso não acontece comigo.
                Disse alguma coisa, ela respondeu, saímos e que eu me lembre, queria passar alguns meses naquela conversa. Que gargalhada gostosa. O cheiro do cabelo era bom, cheirava como um lar.
                Nos beijamos.
                Quando uma mulher maravilhosa, como essa, é gentil o suficiente para te beijar, você tem que beijá-la de volta. Quem sabe onde um beijo pode te levar? Aquele nos levou a outros mais quentes, carinhos contidos, carícias explicitas.
                Queria poder pagar, de alguma forma, a meia calça que, sem querer, acabei rasgando. Naquela noite eu mal tinha o dinheiro do taxi. Não que hoje seja diferente, eu ainda sou apenas um rapaz latino americano, vindo do interior, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes.
                Ela se foi.
                Como todas as garotas que estiveram presentes em minha vida antes e depois dela. Queria ter tido coragem de ter enviado o que escrevi, de ter pedido para ficar mais quando finalmente voltou alguns meses depois. Até a pele dela pedia um toque diferente, era incrível.  
                É só que, vejam bem, o que uma mulher dessas faria com um escritor fadado ao fracasso como eu? Sei que todos amam uma boa causa perdida, mas ela tem um futuro tranquilo, quanto a mim? A única coisa calma em minha vida foi Palomita, uma gata de estimação que morreu ao atingir os seis meses de idade.
                Só tenho a agradecer essa breve aparição, afinal, se não fosse ela, só o bom Jeová saberia me informar quando de fato conheceria uma mulher de verdade. Não que ache ruim as garotas com quem me envolvo. Elas são maravilhosas, só não possuem, ainda, a personalidade marcante de uma mulher, aquela sutileza nas pequenas imperfeições que aparecem de maneira charmosa, o riso gostoso que te faz querer ficar na conversa por anos, o cheiro bom que vem do cabelo, do tipo que te faz querer ter um lar. 
                Não que seja um problema, porém, algumas garotas, às vezes, aparentam estar mais perdidas do que eu. Sem sombra de dúvidas ela será minha melhor lembrança daquele ano.   

                

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